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Carta de resposta aos artigos, da autoria de Francisco de Almeida

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Criado em segunda, 14 março 2005, 00:00 Escrito por Administrador

Ao Exmo Senhor Director do PÚBLICO José Manuel Fernandes

Manifesto a minha estupefação face ao artigo "Há dezenas de pistas de aterragem a funcionar sem controlo em todo o país" (Público, nº 5467 | Segunda, 14 de Março de 2005).

 

A mensagem essencial transmitida nesse artigo é a de que todos os aeródromos e pistas de aviação existentes no país que não possuam estruturas de controlo de tráfego aéreo e de controlo de acessos de tipo aeroportuário deveriam ser eliminados. A razão invocada é o facto de se ter detectado um caso de tráfego de droga com aeronave ligeira.

Esta mensagem é perversa, revelando uma desproporção monstruosa entre meios e fins, benefícios e custos, estado e sociedade civil, eficiência policial e direitos cívicos.

Tais medidas teriam escassíssimo impacto no tráfego de estupefacientes, que continuaria decerto a ser feito recorrendo a aeronaves de tipo STOL, que não necessitam de pistas preparadas, ou a outras formas de transporte.

O seu impacto sobre os utentes legítimos das pistas de aviação e aeródromos seria no entanto esmagador. Toda a aviação de lazer, aviação ultraligeira e aviação desportiva sofreria um rude golpe. A aviação comercial de pequena escala, incluindo a aviação agrícola, seria também fortemente afectada.

A aviação desportiva, cujos praticantes nas diversas modalidades pagam do seu próprio bolso todos os custos do seu equipamento, treino, formação de jovens praticantes, participação em provas no país e campeonatos no estrangeiro, onde têm representado o país por vezes com assinalável êxito, não goza em Portugal de quaisquer apoios oficiais. Esta aviação seria decepada.

A aviação de lazer, para cuja popularidade o factor custo é ainda mais importante, regridiria de muitas décadas. Muitos aeroclubes no país, em especial nas zonas interiores, debatem-se com dificuldades económicas e fechariam irremediavelmente portas face a um cenário de aumento exponencial dos custos de operação.

Os autores das opiniões reflectidas no artigo parecem desconhecer o custo elevadíssimo que supõe estabelecer formas de controlo aeroportuárias e a sua inteira desproporção face às realidades operacionais. O controlo centralizado de tráfego aéreo justifica-se apenas no caso do vôo por instrumentos ou em contextos de circulação muito intensa. O controlo centralizado é porém contraproducente no contexto dos aeródromos e pistas de aviação, onde o vôo por instrumentos não tem lugar. Infelizmente o público em geral, desconhecedor do quotidiano da aviação, tende a aceitar como axiomático que a segurança em aviação requer sempre um controlo centralizado. Esta noção é falsa.

Em todos os países desenvolvidos existe uma vasta rede de aeródromos de pequena e média escala que contribuem fortemente para a qualidade de vida e eficiência das economias desses países, cuja atractividade reside precisamente na ausência de controladores, na simplicidade de procedimentos e na razoabilidade dos custos dada a ausência dos formalismos, burocracias, atrasos, esperas e taxas do controlo aeroportuário. Essas pistas, civilizadíssimas e eficientes, funcionam "sem controlo".

A nossa rede de aeródromos regionais é fraquíssima face à desses países. Medidas como as propostas no artigo reduzi-la-iam à virtual inexistência. Aspecto final da monstruosidade preconizada no artigo em causa, pois que eleva a eficiência policial ao valor e à prioridade máxima, numa inversão completa da própria razão de ser dos aeródromos: servir a sociedade civil, as economias regionais e locais, o desenvolvimento social, a cultura, o desporto e o espírito humano.

 

Francisco de Almeida
Presidente da Comissão de Vôo à Vela da Federação Portuguesa de Aeronáutica
Membro da Equipa Nacional de Vôo à Vela

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